Um dos principais recursos de construção textual utilizados por Murilo Mendes foi a paródia, que já era bastante retomada pelos poetas da primeira geração modernista. Entre as obras parodiadas pelo poeta, estão, por exemplo, a Carta do Descobrimento, de Pero Vaz de Caminha, e a Canção do exílio, do poeta romântico Gonçalves Dias.
Veja abaixo o poema original de Gonçalves Dias e, posteriormente, a paródia feita pelo poeta modernista.
Canção do exílio
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar — sozinho, à noite —
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
(Gonçalves Dias)
Canção do exílio (paródia)
Minha terra tem macieiras da Califórnia
onde cantam gaturamos de Veneza.
Os poetas da minha terra
são pretos que vivem em torres de ametista,
os sargentos do exército são monistas, cubistas,
os filósofos são polacos vendendo a prestações.
A gente não pode dormir
com os oradores e os pernilongos.
Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda.
Eu morro sufocado
em terra estrangeira.
Nossas flores são mais bonitas
nossas frutas mais gostosas
mas custam cem mil réis a dúzia.
Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade
e ouvir um sabiá com certidão de idade!
(Murilo Mendes)
O uso de estruturas sintáticas paralelas ao poema original ajuda a construir a relação intertextual de paródia entre os poemas. Além disso, pode-se dizer que a paródia de Murilo Mendes apresenta uma postura mais crítica do que a encontrada no poema original, que idealiza a pátria, ao passo que o modernista criticava a influência estrangeira nos elementos apresentados em seus versos, apontando para a necessidade de valorização daquilo que é genuinamente nacional.
O sistema de oposições utilizado por Murilo Mendes, como em “nossas frutas mais gostosas/mas custam cem mil réis a dúzia” também colabora para construir o tom paródico em relação ao cenário ideal construído no poema original.